Desde muito cedo conheci o peso da palavra boemia. Meus pais são (acho que, na verdade, foram) exímios boêmios. E eu, no papel de criança anã, dessas que adoram se meter em conversa de adulto, observava os trejeitos, as falas e o jeito com que os adultos movimentavam as mãos. Sozinha, na pequena solidão do ser criança, eu pensava que não via a hora de crescer, tomar um copo de cerveja e rir, daquela forma que meus pais e os amigos faziam. Eles eram felizes.
Uma das minhas recordações mais antigas da minha vida é o barulho do chuveiro ligado vindo do banheiro e a voz do meu pai cantando Olhos nos Olhos. Eu lembro da intonação dele e do jeito que sua voz ficava afinada quando cantava "e que venho até remoçando, me pego cantando, sem mais nem porquê". Por muito tempo, Olhos nos Olhos, pra mim, era a recordação doce da infância em família. A recordação durou até alguns anos, quando sofri minha primeira fossa. Olhos nos Olhos começou a ser, também, trilha sonora da minha vida de mulher.
Chico Buarque sempre foi nome batido na minha casa. E eu adorava (ainda adoro, confesso) quando o meu pai contava a vez em que quase matou Chico de susto e que depois recebeu um beijo na testa do seu ídolo. Meu ídolo. Nosso ídolo.
O som da voz do meu pai, me colocando para dormir, cantando João e Maria, o choro preso na garganta em tantas vezes que ouvi Futuros Amantes, o samba no pé ao ouvir Vai Passar. O romantismo e doçura ao ouvir Tanto Amar. E hoje noto que Chico Buarque não foi só o meu cantor favorito da vida inteira, da vida dos meus pais e tudo mais e coisa e tal, mas ele foi, principalmente, trilha sonora das nossas vidas.
E hoje, meu caro (e caro $) Chico, eu vou furar com você. Não vou ao seu show. E a única coisa que eu posso dizer é que 'suas noites são de gala e o meu samba ainda é na rua', mestre. Meu coração fica um pouco apertado, mas sei que nosso encontro está marcado. "Não se afobe, não, que nada é pra já."
Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião. Até breve, meu ídolo.
Vontade de te abraçar, Duda, oun! A hora chega, vai chegar :). Amei em demasia seu texto.
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