segunda-feira, 23 de novembro de 2009

o seu melhor, o melhor de mim.

Aquela casa trazia recordações antigas, lembranças das brincadeiras de infância, memórias inúmeras e emocionantes. O jardim que Clara tinha dado o primeiro beijo, o batente da escada que Alice tinha cortado o joelho e levado três pontos. A árvore no meio do jardim (agora seca e muito velha) ainda tinha as letras 'C' e 'A'. O terraço tinha as mesmas cadeiras com madeira clara.

Clara estendeu a xícara de café para Alice, que sorriu com cumplicidade "Sabe no que estava pensando?" Clara sentou do mesmo modo de Alice (no chão, encostadas na parede, com as duas pernas dobradas e as mãos em cima dos joelhos), Alice prosseguiu "Bem, eu estava pensando em como nós duas somos diferentes" Clara enrugou a testa: "Somos? Sempre fomos tão parecidas" "Sim, é verdade, nós sentimos as mesmas coisas, só que agimos de maneiras diferentes. Tenho tanta inveja da sua racionalidade, do seu comportamento discreto, do seu olhar observador e crítico. Eu sempre estou tão ocupada tentando chamar atenção que acabo não observando nada" Clara olhou para Alice com ternura: "Você não tenta chamar atenção, sua boba. Você chama atenção sem querer" Um pequeno espaço de silêncio, Alice suspirou: "Seu jeito, meu jeito, não importa. A verdade é que somos dois fracassos - sorrindo, quase rindo - Lembra quando namoramos aqueles dois irmãos? Acabamos o namoro na mesma época, ficávamos chorando juntas" "Pelo amor de deus, Alice, eu não gosto de lembrar daqueles dois, o seu tinha cheiro de alho" Alice e Clara riram. "Clara, nem o cara com o cheiro de alho eu consegui manter. Qual o meu problema?" Clara tomou cuidado com o que dizer, pois sabia que Alice precisava ouvir a verdade, mas pensou em que verdade falar: "Alice, o seu problema, digo, o nosso problema, sim, pois eu e você compartilhamos desse azar, o nosso problema é que somos de carne e osso. Somos de carne e osso, Alice. Nós nos entregamos, nós dizemos a verdade, nós não mentimos. E as pessoas não são assim e não são acostumadas com isso" Alice fez sinal de não com a cabeça : "Clara, a vida não é um filme, um romance. É preciso se adequar ao mundo, parar de agir como se o príncipe encantado fosse chegar. Somos as únicas pessoas que acreditam em amor, você e eu. Sim, o resto do mundo acredita em dependência, conveniência, comodismo" Clara complementou: "Egoísmo. Egoísmo, Alice! Essas pessoas não são capazes de amar ao outro, pois só é relevante o que é positivo para si. Você e eu não somos bobas, nem ingênuas, somos apenas duas mulheres que acreditam na capacidade de amar e por isso desejam ser amadas" Alice colocou a xícara inacabada de café na mesa do centro, sentou em frente a Clara: "Até quando, Clara? Até quando vamos esperar alguém chegar, alguém abrir a porta e não ir embora em cinco minutos? Alguém que seja capaz de sentar, conversar, entender, conviver? Vivemos numa utopia sentimental" Clara enxugou uma lágrima que Alice deixou cair: "Quem foi, Alice? Por que você está com esses pensamentos, quem te machucou tanto?" "E o que importa o nome do filho-da-puta da vez, Clara? A história termina sempre do mesmo jeito, eu termino sempre sozinha na minha cama". Clara odiava ver Alice chorar. Ela era sua prima, sua melhor amiga, o amor de sua vida. Pensou em abraçar Alice, mas ficou sem jeito: "Alice, você é uma idiota, assim como eu. Com esse amor comercial, esse amor que vendem e inventam por aí, com esse amor nós duas não sabemos mexer. Somos utópicas, sim, somos por vezes surpreendidas por alguém insensível ou simplesmente seco" Alice concordou com a cabeça e com tom de desespero: "E o que a gente faz, Clara? Vamos viver assim a vida inteira? Vamos estar condenadas a sofrer? Quero parar de acreditar que esse alguém vai chegar, que vou ser feliz, que tudo vai mudar. Na verdade não vai" "Alice, talvez realmente não mude. Mas quer saber? Pra mim nós não deveríamos mudar isso nunca" "Algo que nos faz sofrer, Clara? Por que não mudaríamos?" " É a esperança na vida e no amor, o que nos torna singulares no meio dessa multidão suja e barata. E a esperança, Alice, nos levará à realização. Isso é o melhor de mim, isso é o melhor de você. Não mexa nisso, isso é meu também"

Em silêncio, continuaram olhando pela janela do velho terraço, vendo o pôr-do-sol mais conhecido e antigo, mas também o que mais gostavam. E, mais uma vez, na velha casa, renovaram as esperanças de seguir em frente. E seguiram.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Clara, meu amor,

Sei exatamente que expressão você fez ao ler que eu tinha escrito "meu amor". E deve ser por te conhecer tão bem que você ainda ocupa esse lugar. Não, não estou escrevendo enquanto bebo. Eu sei que só costumava demonstrar nitidamente atos de carinho quando já passava do quarto copo, e pra falar a verdade isso é uma das coisas que acho mais idiotas agora.

Londres está linda, Clara. Mas confesso que esperei mais. A verdade é que saí daí tão interessado em tudo que encontraria por aqui que acabei não percebendo tudo o que eu deixaria para trás. Você, sem dúvidas, foi uma das coisas mais importantes que deixei. A última cena, você fechando as mãos com força, seus olhos estavam vermelhos, isso tudo não saiu da minha cabeça. Achei que quando chegasse por aqui iria logo esquecer, ao me deparar com coisas lindas e enormes. Mas a coisa mais linda e enorme que me lembro nesse instante são os seus dois olhos negros, chorando por mim.

Clara, sei que errei demais com você. Você também errou comigo e nessa soma de erros nosso elo se desfez. Não daríamos mesmo certo daqui pra frente, mesmo que eu ainda continuasse vivendo perto de você. A verdade é que toda relação é perecível e a nossa durou até um tempo maior do que eu esperava. Sim, é verdade, você sempre apostou em nós, mas eu sempre achei que não iria aguentar por muito tempo todos os seus defeitos, incluindo o maior deles que são seus pés gelados. Que saudade do seu pé gelado, meu amor.

Se alguém me perguntasse como seria o futuro daqui pra frente eu arriscaria dizer que você logo vai encontrar alguém que te faça feliz. Você é apaixonante, Clara. Não existe homem em sã consciência que te negue uma chance de fazê-lo feliz. Porque você tem escrito em sua testa 'sou feita para amar'. Eu também acho que não passarei muito tempo sozinho, talvez eu demore um tempo para encontrar alguém 'para levar a sério', mas logo estarei nos braços de alguma inglesa com disposição e carinho disponíveis. Acho que por isso resolvi te escrever hoje, enquanto ainda tenho a certeza de que o nosso 'nós' ainda não foi desfeito, enquanto sei que você ainda deve gostar daquela música irritante que parece um gato miando, enquanto você ainda está, provavelmente, viciada naquele sorvete de abacaxi e enquanto eu ainda me lembro o nome do seu porteiro. Caramba, acabei de perceber que logo vou esquecer do nome dele, também vou esquecer de algumas coisas que vivemos. É normal, a gente fica só com as lembranças mais marcantes. Não queria te esquecer, Clara, você não merece ser esquecida. Sei também que vou me lembrar de coisas tão miudinhas ainda. Vou me lembrar de você ao ver coisas que você gosta, ao ouvir músicas que você ouvia, ao ouvir alguém falando algo que você sempre fala, ao sentir seu perfume em outra mulher.

Eu te amei, Clara. Eu te amei como nunca amei antes. Te desejo a felicidade, te desejo motivos diários para você abrir seu sorriso bonito. Você foi a grande mulher da minha vida.

Até um próximo instante,

André.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

(cont.2) Cap. I - um estranho no ninho de Alice

Talvez uma das melhores coisas em viajar era sentir saudades de casa. No meio de grilos, mato e leite de vaca sentiam uma saudade imensa do trânsito, dos bares decadentes e modernos. O interior nem era tão pobre de civilização, é verdade, mas a fazenda dos pais de Alice ficava em uma localização nem um pouco favorável para quem gostava de respirar fumaça.

Rodrigo e Alice foram dar um passeio de carro, os dois estavam completamente esgotados do silêncio pacato. Alice ligou para Tom, seu único e verdadeiro amigo daquela área. Tom era uma das pessoas mais inteligentes que ela já tinha conhecido e ninguém, ninguém mesmo, cogitava a possibilidade de após o colégio Tom permanecer ali. Ele e Alice sonhavam em dividir um apartamento, faziam planos da liberdade e da loucura diária que teriam. O sonho de Tom foi arrancado pela raíz quando há 5 anos seu pai morreu em um acidente de carro. Tom estava na varanda de sua fazenda, que era alta, e viu a explosão do acidente do próprio pai acontecer a poucas quadras de sua casa. Resolveu, portanto, que cuidaria de sua família, sua herança e o sonho de Tom a partir daquele dia mudou. Alice sentia uma estranha culpa em ter seguido sem Tom. É claro que ela jamais deixaria de ir, por motivo algum, mas saber que estava vivendo a vida que Tom queria a deixava com peso na consciência. Combinaram de se encontrar em um boteco - que também era mercadinho, padaria e farmácia. Alice e Rodrigo chegaram mais cedo, sentaram numa mesa de esquina e conversavam sobre o prefeito. Alice contava que a primeira dama tinha um caso com o entregador de cargas daquele boteco há anos, Rodrigo se divertia em saber os escândalos que já haviam ocorrido, quando de repente Alice parou de contar, seus olhos brilharam demais - talvez estivessem cheios de lágrimas - e ela só conseguiu dizer "Tom!", antes de correr e pular no pescoço dele. Tom e Alice se abraçaram forte, ela conseguia sentir a respiração ofegante dele, como se fosse dela. "Rodrigo, esse é o homem mais bonito e inteligente que eu podia te apresentar nessa cidadezinha medíocre" "Ok, mas eu prefiro mulheres, certo?" "Não se preocupa, Rodrigo, você também não faz o meu tipo" os três riam. Tom e Rodrigo já tinha ouvido falar um do outro, Alice falava compulsivamente na mesa e os dois, maliciosamente, faziam comentários debochados e sarcásticos. Conversavam sobre música, livros, filmes, fofocavam sobre pessoas caricatas. A bebida entrava como o ar, copos e mais copos iam sendo virados, enquanto a madrugava entrava e os segredos saíam.
"Nunca beijei o Vitor, Tom! Deixa de contar mentira" "Beijou sim, Alice! Conta outra, vai! Vocês ficaram até de casinho que eu sei!" "Pronto, olha aí uma prova! Você sempre sabe dos meus casinhos, eu nunca cheguei pra você e falei do Vitor, porque simplesmente nunca aconteceu" "Ok, vou deixar esse assunto pra lá. Mas falando nos seus casinhos, algum pobre coitado na sua rede?" "Os homens estão para mim como a civilização está para essa cidade, Tom! Nada em vista" "Jura? Pensei que você tava se aproveitando dessa idiota, Rodrigo" "Ela que se aproveita de mim, Tom!" Tom falou algo deixando entender que duvidava e disse que iria comprar cigarros, já voltava. Rodrigo mudou o timbre da voz, como quem perguntava o que não devia "Alice... você e o Tom, vocês já...?" "Já o quê?" ela gargalhava, deixando Rodrigo cada vez mais sem jeito "Alice, é sério.. acho que ele gosta de você, hein" "Você tá com ciúme, Rodrigo" "Não, não estou - e realmente não estava. Rodrigo gostava de Alice, mas não a ponto de sentir ciúmes, desejá-la o tempo inteiro, ele não amava Alice- só queria saber se você e ele já tiveram algo". Alice se ajeitou na cadeira, tomou mais um gole, respirou fundo : "Bem, eu não gosto muito de falar disso, me sinto como se tivesse feito algo errado. Há uns anos, estávamos terminando o colégio, eu e Tom já éramos unha e carne. Um dia, do nada, eu o puxei e beijei. A gente tava bebendo uma garrafa de vodka - ela riu, olhou pra baixo- ele me disse que eu era como uma irmã pra ele. E eu disse que o amava como homem. Passei dias tentando convencê-lo de que deveríamos ficar juntos, que ele também me amava. Até que ele concordou" Rodrigo esperava mais, mas Alice parou ali, como quem já tinha falado demais "E...? O que aconteceu?" "Bem, o Tom é incrível, você deve ter notado. Quando ele disse que sim, que me queria também, senti como se tivesse ganho um troféu, uma medalha. Tinha conseguido conquistar o cara mais legal que eu conhecia. Me senti satisfeita, acho que no fundo só queria provar que eu, uma repleta idiota, podia fazer um cara tão especial ficar louco por mim. E eu já não via mais muita graça em estar com ele...Foi quando o pai dele morreu e eu me mudei. O Tom é tão generoso que nunca me cobrou uma explicação. Ele apenas disse 'Alice, seu lugar não é aqui. Não é de mim que você precisa, eu sei'. Fui muito ruim com ele, Rodrigo" Rodrigo viu que a bebida tinha deixado Alice completamente fragilizada e que tocar naquele assunto estava fazendo ela se mostrar de um jeito que ele não conhecia, ele se aproximou, alisou a ponta dos cabelos dela com os dedos, a beijou. "Não fica triste, a vida nos leva a lugares que a gente não imagina. Não se sinta culpada" Alice o beijou com força, pressionou a boca dela contra a dele, quase o machucando "Vamos sair daqui, vamos ficar sozinhos" "E o Tom? Ele vai voltar, não vai encontrar a gente" "Tom não vai voltar, Rodrigo" "Ele disse que voltava logo" "Tom não vai voltar, ele me conhece, ele não vai voltar". Alice e Rodrigo entraram dentro do carro, Rodrigo queria dirigir, pois se julgava em melhor condição, mas Alice disse que queria levá-lo a um lugar. Chegaram no território da fazenda, mas Alice passou direto da entrada principal, subiu com o carro numa íngreme estradinha de barro, a poeira subia e a visão era péssima. Parou o carro, abriu a porta rápido e desceu correndo. Rodrigo foi atrás, Alice parou em um determinado ponto "Essa é a parte mais alta da fazenda, é onde eu me sinto rainha desse reino de loucos" Rodrigo abraçou sua cintura "Tem mais outra coisa, Rodrigo. Aquele Vitor que o Tom falou na mesa, eu fiquei mesmo com ele. Inclusive fiquei aqui, exatamente aqui onde estou com você" "Então é aqui que você traz suas vítimas?" Rodrigo sentou e puxou Alice pra junto dele, abriu sua blusa "Você não é vítima, você é excessão. Minha excessão"

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

(cont) Cap. I - um estranho no ninho de Alice

O sol já estava indo embora quando a família chegou à velha casa da infância de Alice. Ela olhou para o infinito "Rodrigo, essa é a imagem mais bonita que eu poderia te dar". Ele ria do romantismo dela, a olhou bem e viu que o sol refletia nos cabelos castanhos, a deixando quase loira. Pensou "essa cena é mais bonita, Alice" mas não externou. Entrou na casa com o pé direito, mas não deixou ninguém perceber.
Alice fez questão de levá-lo até o quarto onde passaria aqueles dias. O quarto era simples, nada de muito luxo, ou extravagâncias. Não era típico daquela família gastar com o que não fazia falta, apesar da gorda condição financeira. Alice sentou na cama "não é tão fofa como a sua, mas vai te quebrar um galho" e sorriu, como quem cortejava. "Eu estou cansado. Acho que posso tirar um cochilo, não posso? Afinal, o que mais tem pra fazer nessa cidade? Do aeroporto até aqui conheci a cidade inteira", Alice tentou sutilmente 'defender' sua cidade, mas no fundo não havia mesmo muita coisa a ser feita. Deixou Rodrigo no quarto e foi conversar com a família na sala, enquanto todos a perguntavam como caminhavam as coisas e, é claro, sobre o seu 'namoro' com Rodrigo, que ela ainda não tinha conseguido provar que não existia.

2:40 da manhã, Alice tomava café com leite e canela, as pernas estavam totalmente dobradas em cima da cadeira - uma forma de se defender das rãs, sapos e outros bichinhos inimigos que poderiam aparecer. Ouviu a porta de vidro abrir, reconheceu que era Rodrigo pelos passos e pelo cheiro. "Pensei que você só acordava amanhã" - disse antes que ele chegasse até ela- "Dormiria mesmo, mas essa cama é péssima". Alice fingiu que não ouviu. Ofereceu a metade restante de sua xícara e ele aceitou, mas fizeram isso sem dizer nada, apenas olhando um para o outro e para xícara, é claro. "As vezes penso que queria morrer aqui" "Ok, Alice, o campo te deixa suicida?" "Não, seu otário. Falo de envelhecer aqui, descansar quando ficar velha" "Descansar de quê?" "Não sei, Rodrigo. Você não compreende mesmo, não importa", disse quase com voz de choro. "Alice?" puxando o queixo dela com os dedos, afim de ver seu rosto, "Você ficou chateada com essa bobagem?" por um momento ela quase sentiu sensibilidade sair das palavras dele, mas lembrou-se de quem se tratava e engoliu o que pensou dizer. "Não, Rodrigo, não é você. Acho que estou exausta da viagem, devo estar estressada por isso e emotiva pela volta". Longo silêncio. "Alice, lembra quando nós fomos aquele bar que tinha uma entrada vermelha? Aquele com um nome em francês, como era mesmo?" "Aquele que a moça vomitou no meu pé no banheiro?" "Sim, sim. Era isso mesmo que eu ia falar. Hoje quando te vi com sua família senti a mesma admiração que senti por você naquela noite" "Você sentiu admiração? Você sente as coisas? - em tom irônico- Não, vai, é sério, por que você ficou admirado?" "Bom, naquele dia você poderia ter feito um escândalo com a moça que vomitou, mas você simplesmente chegou contando a história, você quase sorria da situação...E hoje, bem, você pega tudo o que eu abomino e sei que você nem gosta tanto na verdade, e faz de tudo isso um motivo para estar bem". Alice olhou para baixo, poucas pessoas a envergonhavam quando o assunto era elogios, mas Rodrigo quase nunca os fazia, portanto a deixava sem graça. "Bom, acho que vou pegar algo de gente grande pra beber. Ouvir você falar de mim merece um brinde". Enquanto Alice entrou para pegar a bebida, Rodrigo pegou o celular do bolso, apenas para checar. Uma nova mensagem de texto! Era de Laura, mulher por quem Rodrigo foi apaixonado a vida inteira. Poderia não ser o amor, mas era a mulher de sua vida. A mensagem dizia : 'Sonhei com você. Saudades de acordar num domingo ao seu lado, com você trazendo nuggets de café da manhã! Um beijo.' Rodrigo não conseguiu mais se concentrar em nada, só lembrava do cheiro de Laura e da saudade que, como em um clique, também começou a apontar em seu coração. O que estava ele fazendo naquela porcaria de fazenda? E com Alice?! Alice o irritava, o olhava de um jeito que ele não gostava as vezes. Entrou rápido na casa, antes que ela voltasse. "Alice? Alice! Vou dormir, ok? Ainda tenho sono" "Mas, Rodrigo, eu só estava procurando o saca-rolha" "Amanhã beberemos!" e entrou rápido no quarto, deixando Alice do lado de fora e trazendo Laura para dentro.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Cap. I - um estranho no ninho de Alice

Alice e Rodrigo desembarcaram no aeroporto interiorano. A cidade não era das menos desenvolvidas. "Aqui é o interior com mais cara de cidade grande" dizia o patético prefeito. Alice ria da cara desconfortável de Rodrigo. Ela tinha crescido ali e por mais que sua mente jamais tivesse pertencido aquele lugar, ela gostava de visitá-lo duas, três vezes por ano. Rever os pais, os conhecidos de infância. Ver como todas, literalmente todas as suas coleguinhas de primário já estavam casadas, com filhos. Ela dizia para a mãe "isso não é pra mim" e realmente não era. Tinha levado Rodrigo com ela dessa vez. "Alice trará o namorado, querido" dizia a mãe ao pai, enquanto Alice falava em tom repetitivo do outro lado da linha "mãaae, não é meu namorado!" e não era. Rodrigo havia chegado em sua vida há dois anos. No começo eles não se suportavam. Tinham se esbarrado em um seminário onde se alfinetaram com seus divergentes pontos de vista e alguns meses depois se reencontraram numa mesa de bar de amigos em comum. Começaram a se ver frequentemente, por conta dos tais amigos, e depois de algum tempo se viram trocando e-mails e mais tarde telefonemas. Horas e horas no telefone diariamente, almoços sofisticadíssimos na Mc Donald's do centro. Depois de 6 meses lineares acordaram um belo dia dividindo a mesma cama. Não foi surpresa. Também não tocaram no assunto depois. Aconteceu outras vezes, com frequencia, é verdade. E já que há tanto dividia tudo com Rodrigo, resolveu que iria levá-lo até sua cidade natal, para que ele bebesse o leite fresco da fazenda vizinha e tomasse sorvete de flocos com ela na praça. "Extremamente empolgante" dizia ele com sarcasmo ao vê-la descrever esse tipo de programa do interior. Ela ria e dizia "Você vai sobreviver". Pois bem, chegaram ao salão de desembarque, "Alice! Alice! Alice!" eram exclames altos, Rodrigo olhou ao redor e não acreditou no que viu. Cerca de 15, 16 pessoas, com apitos, bolas de encher... parecia uma festa. De repente percebeu que Alice não estava mais ao seu lado, ela abraçava um coroa bigodudo que dizia "minha princesinha". De repente ela olhou para trás, como lembrando-se que esqueceu de algo e disse "Rodrigo, vem aqui", ele foi. Rodrigo não gostava de toques físicos em quem não conhecia. Alice ria maliciosamente ao vê-lo sendo forçado a abraçar pessoas como Tia Isa - que tinha 73 anos, era surda e cheirava a agrião. Depois de se divertir o bastante, deu um jeito de tirá-lo de lá, "Gente, o rapaz tá cansado, vamos logo". Ele a olhou com a cara mais desesperadora que ela já o tinha visto fazer e disse "É só o começo, não é?" ela deu uma de suas escandalosas risadas e balançou a cabeça afirmando "Você nem imagina o resto".

domingo, 1 de novembro de 2009

domingo preto e branco


"Tinha que acontecer num domingo" foi o que minha prima mais próxima me falou, se referindo às nossas velhas conversas de como domingo era um dia triste. Mas hoje foi mais triste. Eu que sempre chamei os domingos de amarelos hoje vi tudo cinza. Desbotou a cor, os sorrisos não vieram e como numa brincadeira o que era, existia e estava passou a não ser, não mais existir e não estar mais aqui. Parecia piada e como eu rezei para que fosse! A sala lotada dos seus, você no meio, como sempre foi o centro das atenções. E quantas histórias e lembranças soltas devem ter rondado aquela saleta, pois cada um de nós tinha um almanaque de recordações suas para contar. Me lembro que na infância eu, Luiza e Victor sempre armávamos um plano para entrar no seu quarto e tirar dinheiro escondido do seu paletó. É evidente que você sabia, mas mesmo assim continuava a colocar moedinhas nos bolsos, pois sabia que aquilo nos deixava felizes. Você era isso! Uma explosão de sentimentos cativantes, uma comunhão de atos generosos, bonitos, decentes. Você, meu avô amado, nos ensinou a ser honestos, independente de tudo. Nos ensinou, com o seu exemplo, que para quem amamos qualquer esforço vale a pena. E quanto esforço! Você foi o homem mais batalhador e guerreiro. Foi um pai cuidadoso, prestativo, compreensivo. Um avô que o mundo não conheceu melhor! Apaixonado pelos filhos, pelos netos, pela esposa e pela vida, jamais deixou transparecer tristeza. Excelente contador de piadas, de histórias, ria com paixão por viver. Você é o amor, você é a alegria. E você sempre estará comigo, pois sou parte de você e você de mim. Estaremos juntos sempre, ainda posso te sentir. Que sorte eu tive de ser sua neta, que sorte eu tive de ter você. Até logo, Giba.

ps: "No janga ninguém morre, negão".