terça-feira, 26 de julho de 2011

Quando Téo foi embora.

Quando eu e Téo resolvemos acabar o nosso casamento - acabar, que maneira horrível de se dizer que não se tem mais um relacionamento. Mas é isso mesmo que fazemos, não é? Acabamos os sonhos, os planos e tentamos até acabar com as memórias - foi um acordo. Ambos sabíamos que o sol não brilhava mais em nossa casa como tinha brilhado um dia. As longas conversas na sala de estar sobre anarquismo, a novela, a vida do vizinho ou o futuro político do país tinham se resumido a "boa noite, meu bem, estou com dor de cabeça e vou me deitar" e blá blá blá, todas aquelas amenidades que se fala quando já não se tem mais tesão de sentar e fazer qualquer coisa, nem que essa noite seja nada.
Em um almoço, entre o "me passa a verdura, querido" e o "o peixe poderia estar mais salgado, meu bem", Téo me disse que gostaria de pedir o divórcio. Continuei comendo, mastigando e ouvindo o som dos meus dentes rasgando a comida, lembrando de respirar para não morrer e de piscar. Não consegui dizer nada naquele momento. Téo, por sua vez, continuou fazendo o que mais sabia: fingindo que nada estava acontecendo.
Um dia após a ida de Téo, notei que a minha casa era mais vazia do que eu tinha noção. Os móveis pareciam todos de outra pessoa, nada mais tinha a minha cara. E foi quando eu notei que quando eu era de Téo, eu era outra. Que se eu morasse sozinha, a casa seria totalmente diferente. E não, não pensem que Téo era um desses manipuladores que ajeitam tudo da maneira que mais gostam, porque Téo sempre foi um bom menino e até mais fácil de ceder do que eu. A verdade era que, por alguma razão, com ele eu era mais viva, mais corajosa e e mais maluca. A parede vermelha da sala não fazia mais sentido. Sem Téo, eu não era o tipo de pessoa que tinha uma parede vermelha em casa. Precisava de tons pastéis.
Após alguns meses, a casa ficou sendo cada vez mais minha. Tirei a bicicleta de Téo da varanda, mandei pra casa da mãe dele. Me mudei para o quarto do meio e fiz da suíte uma sala de TV. Pouco a pouco, fui preenchendo a casa com outros móveis, outras lembranças e deixando Téo cada vez mais no passado. Mas, como uma assombração ou milagre, ainda sentia a sua presença em todos os cômodos do apartamento. Téo não estava mais na casa, mas estava ainda em mim. Tão em mim, tão dentro de mim, tão forte e presente em mim que eu achava um absurdo achar que eu não estava mais nele. Bem, eu não estava.
Durante anos, esperei o telefonema de Téo, o interfone tocar e alguém lá no térreo falar "oi, sou eu, voltei para nossa casa e a nossa parede vermelha, me aceite de volta". Não, Téo nunca voltou, jamais telefonou. E, sim, eu ainda espero Téo. Ainda acho que um dia isso acontecerá, alguma coisa dentro de mim me diz que Téo um dia vai chegar.
Tive vários namorados, amantes, ficadas, amigos com benefícios. Mas jamais trouxe alguém à minha casa com Téo. Nunca tive coragem de destruir a última lembrança que restava: o nosso amor dentro do nosso lar. E, as vezes, quando estou sozinha, na cozinha ou na varanda, sinto a sensação que Téo está tomando banho ou lendo jornal. Penso que ele saiu e foi comprar pão, que foi comprar cigarros e cerveja. Penso que Téo vai chegar a qualquer momento.
Deixo apenas uma lágrima cair, levanto a cabeça e saio de casa. Um dia o telefone vai tocar.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Todo mundo já ouviu que quando a gente encontra a nossa outra parte, a tal da metade, a gente tem certeza. Mas e se a outra parte não te achar a metade dela?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Loser's game.

Sentados ao chão, com a paciência de  crianças que nada têm a fazer além de esperar que alguma coisa aconteça, Sofia, Clara e Guto fazem um campeonato de derrotas. Decepções amorosas, cicatrizes no joelho, uma relação ruim com os pais e o gosto brega pela música. Tudo é válido para ver quem perde mais no jogo da vida. Até o momento, Guto estava ganhando.
O telefone de Clara tocou. A mãe, que morava em outro estado, tinha sofrido um acidente de carro e a irmã, que a acompanhava, tentou tranquilizar Clara da maneira que pôde, mesmo dando a notícia de que a mãe passaria por três cirurgias ainda naquela noite. O telefone foi desligado, Sofia e Guto não sabiam o que dizer. E Clara, surpreendentemente, deu uma gargalhada. "Acho que ganhei no jogo dos perdedores". Guto e Sofia também sorriram e os três não conseguiram parar de rir. A vida era uma piada mesmo.
Guto era ateu, não acreditava em Deus, nem no amor. Clara era católica, ia à missa todo domingo. Sofia  se dizia budista, mas ainda estava estudando sobre outras possibilidades religiosas. Mas, naquele dia, a fé dominou a vida dos três amigos. Não fé em algum deus ou em algum santo, mas a fé que o mundo não poderia ser tão cruel, as coisas iriam melhorar. Precisavam melhorar. Aquela maré ruim não duraria para sempre, eles eram fortes o suficiente para superar. Tudo ia ficar bem. Sim, tudo.
E lá se iam dez garrafas de cerveja, sapatos jogados ao alto e muitos sorrisos. Clara ligou para sua irmã. Sua mãe passava bem e os riscos de morte tinham desaparecido. Seria essa uma noite de sorte?
Guto olhou pela janela do apartamento e viu quando dois garotos passaram correndo da polícia e jogaram uma pedra, tentando acertar a viatura. Erraram a mira e, claro, a pedra foi no carro de Guto, que tinha acabado de sair do conserto. Guto virou e viu que as meninas comentavam sobre uma nova onda de sorte. Não contou do carro. Apenas abriu mais uma cerveja, distribuiu entre os copos e suspirou "se nada der certo, ao menos ainda poderemos jogar o jogo dos perdedores". E nada mais importava naquela noite do que sorrir.