segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O jantar

Luciana sentou em uma cadeira que tinha vista para a porta de entrada do restaurante chic. Marcelo perguntou se ela queria frango ou carne bla bla bla, ela disse que sim. O telefone tocou, Marcelo passou mais ou menos dez minutos falando sobre trabalho com o amigo da firma. Luciana olhava ao redor. Um casal constrangia a todos com beijos calorosos, desses indecentes. Os garçons davam risinhos discretos e se entreolhavam, todos abismados com a indelicadeza do casal. A menina com uns 19 anos e o cara quase um trintão. Um senhor, sentado na mesa ao lado, fez 'rum huum' com a garganta, prevendo que a mocinha estava prestes a enfiar a língua na orelha do cara. Marcelo, que acabara de desligar o telefone, comentou "que falta de educação, né? Poderiam se agarrar em outro lugar" e Luciana deu um sorriso amarelo, fez que sim com a cabeça, mas só conseguia sentir inveja da mocinha, das línguas e da orelha.
O garçom trouxe os pratos. Começaram a comer e, a cada garfada, Marcelo tinha mais medo. Medo que Luciana dissesse "que porra é essa", mas ela engolia cada pedaço e parecia pensativa. Ele conseguiu relaxar um pouco e aproveitar o sabor do filé ao molho madeira. Luciana até achou o prato de Marcelo mais bonito que o dela, pensou em pedir pra provar, mas seria indelicado.
Então ela lembrou daquele dia na casa de Bruno, em que ele cozinhou um cachorro quente muito ruim e os dois se lambuzavam de molho vermelho. Assim, sem se preocupar em parecer bela, educada ou de família, Luciana se sentia à vontade com Bruno como jamais se sentiu com Marcelo. Pena que, além de Luciana, Bruno fazia outras três garotas também se sentirem à vontade e aí o romance não durou. 
Voltando ao filé ao molho madeira, Marcelo continuava a pensar "que porra é essa?" e pensava que Luciana sentia o mesmo. Mas já que ela nada falava, ele também resolvia se calar. Terminaram o jantar. "Sobremesa?" o garçom perguntou, quebrando o silêncio. Luciana disse "eu não quero, você quer?" bla bla bla, foram pra casa.
Boa noite, meu amor, até amanhã, amo você. E deitados em posições opostas - porque não tinha problema, era bom esticar a coluna e a claridade incomodava Luciana, dormir de conchinha era muito mainstream - dormiram abraçados com o medo de amanhã não conseguirem mais se olhar.
E ainda dizem que o amor engorda. O que engorda são as garfadas que a gente dá para evitar a conversa, as risadas e os beijos mal educados.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

like a boy

Pedro acordou de um sono pesado. Há dias o vizinho fazia reforma no apartamento, o que impedia que as manhãs fossem silenciosas e as tardes fossem convidativas. Andava sendo difícil trocar a noite pelo dia, como Pedro mais gostava de fazer. Naquela semana, portanto, ele estava dormindo e acordando como a maior parte das pessoas - deitando com a madrugada e acordando com o sol.
Pode ter sido essa mudança drástica de rotina ou a falta do que fazer que andava fazendo a mente de Pedro trair o seu coração e ter sonhos com ela. Betina, que há meses não dava notícias, aparecia em sonhos que não tinham nada a ver, sabe? Uma verdadeira intrusa na imaginação involuntária de Pedro. Ele sonhava que estava jogando futebol e, logo depois, via o sorriso de Betina na imaginária arquibancada. Sonhava que estava em um tiroteio e um dos assaltantes era a própria Betina. Depois sonhou com cartas de baralhos e, deus, quem estava estampada em todas as cartas? Betina, Betina, Betina. 
Desempregado há três meses, as roupas estavam cada vez mais justas. A geladeira só tinha cerveja e água com gás. Mas pensando bem, ele só estava seguindo as regras. Afinal, há algo mais clichê do que um homem abandonado resolver deixar de trabalhar, fazer a barba e ir à academia? É isso que os homens fazem quando sofrem, não é? Bem, pelo menos era assim que Pedro fazia.

sábado, 1 de setembro de 2012

E se eu pudesse voltar atrás? E se eu quisesse reviver todos os momentos, voltar a realizar os planos, vestir as roupas, os sapatos do fundo armário? E se eu quiser frequentar aquele bar antigo, tomar aquele vinho barato e ouvir aquela música que foi sucesso na época? Eu posso?
A gente muda o tempo inteiro. E o mundo tira um pouquinho de nós a cada dia. Um pouco  da inocência, da delicadeza, da fé, da esperança. As risadas ficam mais longas, mas também ficam mais raras.
Se eu pudesse voltar atrás, eu guardava mais momentos doces comigo. Eu tiraria mais fotos. Eu diria mais palavras sinceras. Eu evitaria brigas, eu seria menos egoísta. Beberia menos, comeria menos também. Talvez não.
As vezes o passado vem para nos salvar de um presente tenebroso. As vezes o futuro. na verdade, era o passado.
Vamos voltar a ser o que realmente faz sentido. Vamos voltar a ser nós.