quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

dois mil e nove


A propaganda do banco já profetizava o que seria desse ano, pelo menos pra mim. Foi, sim, o ano das inovações, das novidades, das realizações, dos inícios e principalmente o ano das perdas e dos ganhos. Perdi objetos pessoais, perdi lágrimas que caíram de raiva e de dor, perdi antigos contatos - alguns até que só mantia por conveniência, perdi antigos hábitos, perdi a minha antiga rotina, perdi a farda do colégio, perdi meu avô - quero enfatizar que a dor ainda é algo imensurável e intragável e que a saudade me sufoca desde então, perdi uma caneta que eu gostava muito, perdi um antigo celular. Ganhei novos ares, uma nova rotina. Ganhei o título de 'universitária', ganhei um monte de gente nova, ganhei novos hábitos, ganhei novos fatos, ganhei novos sentimentos, novas cores, novos gostos. Ganhei ainda algumas pessoas que eu já tinha, mas que mostraram o quanto são fiéis e o quanto, apesar do tempo, ainda as terei sempre por aqui. Ganhei maturidade, ganhei espaço, ganhei sorrisos, ganhei perdão, ganhei saudade. Ganhei a certeza de que a morte apenas transfere o nosso amor para o infinito, onde não podemos ver, mas sentimos sempre. Ganhei força, ganhei perfumes, ganhei esperança, ganhei amor. Ganhei livros, ganhei músicas, ganhei palavras, ganhei abraços. Ganhei muito mais do que perdi, me tornei alguém muito melhor, me fiz de novo, retomei algumas coisas, renovei outras, fui feliz. A fé está em mim, em alguma coisa - não sei bem em quê- e é com ela que sigo, com a esperança de desenvolver nos próximos meses tudo que eu aprendi nos últimos. E que venham mais perdas, mas ganhos. Mas que venha tudo, tudo de bom.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

amantes futuros


"Pra que estrela está olhando?" "Para aquela dali, a que brilha mais" "E o que você tá pensando?" "Nas estrelas, oras". Sofia puxou a mão dele para perto e fez com que ele a abraçasse, ele beijou o seu ombro. "Prefere nuvens ou estrelas?" uma pausa de alguns segundos "Não sei, elas se completam tanto, não consigo imaginar nuvens sem estrelas, nem estrelas sem nuvens" "As estrelas ficam sempre ali, presas, sendo fundo para as nuvens passarem". Ela girou ao encontro dele, olhou cada detalhe. Fechou os olhos. "Você tá chorando?" "Eu estou feliz". Numa cidade tão grande, com tantos milhares de habitantes, em um bairro lotado, uma rua movimentada. Na varanda do terceiro andar, mais precisamente no chão, havia amor. E muito amor. Entre tantos outros, ali eles se amavam. Eles não viram, mas enquanto se abraçavam uma estrela cadente passou no céu e ouviu o desejo dela "eu vou amar você sempre". E amou.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"

As mãos suavam. Passou as mãos pelo vestido, do busto à cintura, conferindo se estava tudo certo. Respirou fundo, tocou a campainha. Ouviu um barulho que vinha de dentro do apartamento, alguém andava rapidamente, também remexia alguns objetos. "Deve ter perdido a chave", pensou, sem perceber que o fato de ainda lembrar como ele era atrapalhado e esquecido a aliviava. Ouviu a chave girar a fechadura e apertou as mãos com força - como sempre fazia quando estava prestes a qualquer coisa. Mil pensamentos passaram pela sua cabeça naqueles segundos, ela sentiu aquela vontade de desistir, só que não dava mais tempo. Finalmente a porta se abriu e em sua frente estava ele, com um sorriso completamente amarelo e sem graça. Ela pulou em seu pescoço, o deixando sem jeito, o abraçou com muita força. "Que saudades de você" disse, tentanto quebrar o silêncio constrangedor. Se afastaram, ela entrou no apartamento. Era tudo meio bagunçado, mas tinha bem a cara dele. Na sala havia uma enorme estante com livros e cd's. Ela sentou sem cerimônia no sofá, ele sentou numa poltrona ao lado. "Então...Tanto tempo, né?" "É... A última vez foi antes de você viajar. Três anos?" ela concordou, "Três anos. Eu volto e você está adulto, morando sozinho, com... - pegou um porta-retrato que estava em cima da mesinha e olhando para ele continuou - com uma namorada loira... Pensei que você não gostasse de loiras" Ele riu com indiferença "Agora não gosto de ruivas". Sofia o fuzilou com os olhos "Você aderiu às loiras porque são burras e mais fáceis. As ruivas são mais inteligentes, é difícil você se encaixar no nível" ele se levantou da poltrona e sentou junto a ela no sofá. "Ah, é? Bem, Sofia, você dizia que eu me encaixava bem em você, digo, no seu nível" Os dois riram. O clima desconfortável se foi, ela passou a mão nos cabelos dele, alisou sua nuca. "Pensei que você fosse me esperar" ele tentou responder em tom divertido, tirando a seriedade da conversa "eu também pensei". Sofia sentiu vontade de chorar, mas sorriu. "Tenho um presente pra você" Tirou um pacote da bolsa, colocou em cima da mesa. Conversaram mais um pouco, riram de antigas coisas, relembraram, contaram as novidades. Ela precisava ir, ele a levou até a porta. Ela beijou seu rosto, ele falou que marcaria algo com ela 'e a turma' para a próxima semana. Ela se foi. Ele fechou a porta, andou desinteressado em direção do pacote, tentando disfarçar de si mesmo a sua ansiedade. Abriu e havia um caderno dentro. Nenhum cartão. Leu a primeira página:

Recife, 03 de janeiro de 2006

O ano novo foi divino. É difícl pensar que são meus últimos dias com ele. Por mais empolgante que seja viajar, não consigo imaginar o que é ficar sem suas mãos quentes, sem suas frases feitas. Estou com muito medo. Eu o amo.

Por instinto fechou o caderno e o abriu na última página. Ela marcava a data anterior ao dia de hoje. Era o diário de Sofia dos últimos três anos. Nele estava quem era Sofia, as mudanças que tinham ocorrido, os pensamentos e as revelações. Certamente, se ela tinha o presenteado com aquilo, era porque tinha alguma coisa que ele soubesse. Colocou o caderno em cima da mesa e foi tomar banho, pensando em se preparar para passar a noite lendo as anotações que Sofia tinha o presenteado. O passado se tornava presente e ele sabia que alguma coisa mudaria depois daquela noite.
"Ilusões à luz do dia
Cílios de limusine
Faça seu rostinho lindo
Derrame uma lágrima em meu vinho
Olhe em meus olhos
Veja o que você significa pra mim
Docinhos e milk-shakes
Sou o anjo das ilusões
Sou o desfile de fantasias
Conheça meus pensamentos
Não mais os adivinhe
Você não sabe de onde eu vim
Não sabemos para onde vamos
Estamos juntos na vida
Como dois galhos num rio
Sendo levados pela correnteza
Eu te carrego, você me carrega
Nossa vida pode ser assim
Você não me conhece?
Você já não me conhece?"



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

reflexos.

Olhei bem para seu rosto, suas mãos, olhei também para seus pés. Tentei prestar atenção em tudo, tentei gravar cada detalhe, cada expressão. O olhar já estava impaciente e me perguntava o tempo inteiro 'já posso ir?', apesar de todo silêncio, eu conseguia escutar. Puxei, forçadamente, seus dedos e entrelacei nos meus. Apertei, apertei com um pouco mais de força. Ele não tirava suas mãos das minhas, mas também não retribuia ao aperto. Tentei abraçá-lo, tentei sugá-lo. Tentei absorver tudo que eu podia. Na frente dele e de tudo que ele representava pra mim, na frente da minha vida inteira, na frente de mim mesma. Sorri para ele do jeito que ele gostava, esperei um sorriso de agradecimento, mas ganhei mais uma expressão inerte. Ele apenas me olhava, acho que na cabeça não passava muita coisa e, se passava, devia ser algo bem longe e distoante dali, pois ele realmente parecia não me enxergar. O abracei com mais força. Ele ficou parado por uns instantes, deixou que eu o abraçasse, deixou que eu tentasse difundir o meu corpo com o dele. Depois tentou se soltar, eu apenas exerci mais força e ele entendeu que eu apenas pedia mais um pouco. Por mais algum tempo fiquei ali, abraçada com minha própria vida, com o meu próprio eu, abraçada comigo, com ele, com tudo que nós fomos, com tudo que nós sonhamos. De repente senti repúdio do egoísmo dele, da vontade dele de querer ir embora, de colocar a culpa no tempo, no calor, nos outros, em mim, nos livros. A culpa era dele. Senti nojo dele, senti que se ele queria ir, era porque realmente era melhor que fosse. Me distanciei um pouco, me virei e com as costas viradas para ele eu disse 'agora pode ir'. Foi então quando percebi que ele já tinha ido, talvez antes mesmo de eu me virar. E chorei, pois de mim ele não queria mais nada, nem sequer o desprezo. Chorei por três minutos seguidos e as lágrimas pareciam cair sem controle. Depois parei, percebi detalhes bobos da casa como a pintura da parede que começava a envelhecer. Sentei no chão, rejeitei o sofá. O telefone tocou e eu não quis atender. Lá pelas quatro da tarde me levantei e passando pelo espelho do corredor tive a surpresa de ver o reflexo dele ao invés do meu. Desgraçado, me levou com ele. Se deixou aqui comigo.