terça-feira, 10 de julho de 2012

A rua

Ana agarrava Jorge dentro do banheiro corporativo da firma.
Naquele mesmo  instante, no mesmo empresarial, Guto, o motoboy, deixava seu telefone na mesa de Ronaldo, o recepcionista do escritório de arquitetura.
No mesmo bairro, ainda no mesmo quarteirão, Bia deixava Leo com olhos cheios de lágrima ao mostrar o seu coração alado tatuado com o nome dele nas costas.
Do outro lado da rua, Marcela dizia "sim" a Rodrigo na mesa forrada com toalha de linho do restaurante mais 'in' da cidade.
E por mais que houvesse tanto amor naquelas redondezas, eu só conseguia pensar em nós ali, parados dentro daquele carro. Esperando algo de bonito e salvador acontecer. Algo que tirasse as dúvidas, os medos, as preocupações corriqueiras. Pensei em abrir a boca, mas na mesma hora você também impulsionou o corpo pra frente, como quem ia tomar alguma atitude. Fiquei calada então. Mais alguns minutos se passaram, nada se disse.
Abri a porta do carro, olhei firme para você. Você sabia, naquele momento, o que eu estava querendo dizer. E o meu coração gritava "olha, se você não me sequestrar agora e me levar, sei lá, para o quinto dos infernos, eu saio deste carro e você nunca mais vai me ver". Você continuava olhando pra mim. Assim, como quem não espera que o pior aconteça. Como quem só espera um milagre.
Foi então que eu olhei bem nos castanhos dos teus olhos. Castanhos quase verdes, desses que dá pra se perder na profundidade, na dúvida e no mistério. Olhei e vi todas as nossas cenas. Nós, desconfortáveis, é verdade, no primeiro encontro. Depois naquele hotel barato da nossa primeira viagem juntos. E como não lembrar dos dias no hospital quando você cuidou de mim dia e noite sem parar?
Fechei a porta do carro. Peguei na sua mão. Respiramos juntos. Inclinei a cabeça para frente e disse "vamos". Você sorriu.
Jorge deixou Ana pela nova secretária. Guto não atendeu quando Ronaldo ligou. Bia cobriu o coração alado com um dragão. Marcela fugiu da igreja com uma mulher.
Mas eu e você estamos aqui. Dentro do carro, perdidos na imensidão do desespero e na certeza de todos os sorrisos.

domingo, 8 de julho de 2012

Músicas ruins.

Cheiros, cores e objetos são traiçoeiros, mas nada é mais cruel do que uma música. Músicas te levam a outro lugar, te fazem lembrar de pessoas queridas e, muitas vezes, nem tão queridas assim. De repente, um ou dois acordes te chacoalham a memória e você se pergunta o que mudou.
Eu ainda consigo sentir a respiração ofegante. O quarto escuro, as cortinas fechadas. Dias e dias sem sair para ver o sol. Apenas sentindo toda aquela dor e sofrimento. Na verdade eu acho que não sentia mais nada. Tudo já estava dormente, inclusive o meu coração.
É difícil lembrar de cada parte dessa história sem precisar engolir seco e respirar fundo. Mas quando eu lembro, a única coisa que faço é agradecer. Agradecer ao tempo, a deus, à força suprema, aos espíritos, ao paraíso, a alá, a buda, a qualquer coisa que possa interferir em nossas vidas, por ter conseguido superar aqueles dias em que a tristeza me visitou sem trégua.
A música está na metade agora. Irônico, há um trecho, apenas um trecho, que me remete a uma boa sensação. Era o show da minha banda favorita e eu erguia os braços para cima, pulava e cantava. Na minha cabeça, naquele momento, eu estava feliz. Mas apenas naquele momento.
Depois vem toda a cena da chuva, o medo e, mais uma vez, o quarto escuro e solitário.
A música está no fim agora. As lembranças vão se recolhendo em meu coração.
A próxima canção é animada e me lembra um final de semana entre amigos numa praia perto da minha cidade. As lembranças ruins, por ora, foram embora. Mas uma música sempre serve para lembrar que certas coisas não passam. Não passam nunca.

domingo, 1 de julho de 2012

I believe in magic

Quando somos pequenas, leem histórias de príncipes e princesas para que possamos dormir. Durante muito tempo, ouvi minhas amigas desejarem príncipes, castelos e cavalheirismo. Leia-se cavalheirismo como atitudes cordiais de abrir a porta do carro ou puxar a cadeira para a mocinha sentar. Um homem que use roupas apresentáveis e tenha dentes brancos.
Mas do que vale ele pagar a conta se, durante o jantar, ele não ouviu uma palavra do que você disse e ainda te encheu os ouvidos falando sobre o modelo do próximo carro novo? É pensando assim que eu vejo o quanto a necessidade de parece viver um conto de fadas transforma a vida de muita gente em um verdadeiro inferno.
Eu prefiro viver com alguém de carne, osso e coração. Alguém que não abra a porta do carro, mas que alise a minha cabeça até que eu consiga dormir. Não, eu não preciso de alguém que pague minhas contas. Mas eu preciso de alguém que ouça todas as minhas angústias e minhas vitórias no trabalho. Eu não quero alguém que use a mais alta costura. Sinceramente, prefiro encontrar furinhos nas velhas camisetas surradas.
E quando eu tenho isso, acreditem, eu vivo o maior conto de fadas. Eu vivo cada olhar, cada toque ao som de uma balada só nossa. Eu não quero viver, jamais, como esses casais que não se falam durante o jantar e que vão para casa intactos, embalados na mais alta classe. Eu prefiro perder a linha com o meu par e, bêbados, rirmos da vida alheia e da nossa vida. Perder a classe, mas nunca perder o sorriso.
Não, eu não acredito em príncipes e nem em cavalheirismo. Eu acredito em chamego, em agarrado, acredito em beijo de reconciliação e acredito em cafuné. Eu não acho que o que qualificaria um homem a ser digno de ser meu seria o jeito com que ele me trata com devoção e, sim, o jeito com que ele me trata com franqueza, com respeito e amor.
Um cara desajeitado, com uma camisa surrada e sem a menor habilidade para abrir portas de carro pode transformar a sua vida em mágica. Basta saber qual o tipo de magia que vai importar no seu coração.