domingo, 26 de fevereiro de 2012

Tarde demais.

Chegou em casa do trabalho morta de cansada. Colocou uma garrafa de vinho para gelar, tomou um banho e colocou aquela velha camiseta. Ligou o som da sala, há meses ela não usava o som da sala. Escolheu Caetano. "Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara. Minha cara, minha cuca ficar odara. Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara, pra ficar tudo joia rara" e Sofia foi rodopiando até a cozinha, pegou uma taça, abriu a garrafa de vinho. Se jogou no sofá, fechou os olhos. Ficou odara.
Duas da manhã, o cd de Caê já tinha tocado inteirinho. Ela foi recolhendo os pacotinhos vazios de torrada que tinham servido de tira gosto emergencial. E aí o telefone da casa toca. O telefone de Sofia era desses telefones antigos que a gente gira o disco para escolher o número, sabe? E era pesado também. Era laranja, mas o tempo desbotou para bege. E tocava fazendo trim trim, nada de musiquinhas da moda. Ok, o telefone tocou às duas da manhã. E aí Sofia pensou em três opções: poderia ser um trote, poderia ser um golpe ou poderia ser morte. Portanto, atendeu tensa, firme e seca.
- alô
- Sofia?
Engoliu seco. Há meses ela não ouvia aquela voz. Há meses ela não escutava aquela voz chamando o nome dela. Sim, era ele. Ela ficou calada um tempo.
- Ainda tá aí?
- Oi, Téo.
Téo começou a conversar amenidades. Sofia logo estranhou.
- Téo, alguém morreu?
- Não, não. 
- E o que é isso? 
Foi então que Téo começou a falar do vazio, da falta dela, do medo de ficar sem ela e ser sozinho pra sempre. E falou que era muito triste se sentir estagnado no tempo e que sentia falta dos planos deles e que andava pensando sobre como estariam se ele nunca tivesse ido embora. E ele também disse que dia desses alguém passou com o cheiro dela, que ele havia lembrado daquela hora do dia em que ela chegava na cama com o cabelo molhado, cheirando a alfazema, dava um beijo nele de bom dia e saía para o trabalho. E ele também disse que sentia falta do café com leite dela, do cafuné dela, do pé dela encostado no dele. E de abraçar, de beijar e de viver com ela.
Sofia ouviu tudo com atenção e amor. Téo não era de falar muito e não era de dizer o que sentia. Mas, naquela noite, ele disse coisas que ela jamais imaginou que ele diria. 
Sofia tinha esperado por meses que Téo invadisse a sua casa, que pedisse pra voltar. Todos os dias, antes de dormir, ela passava perfume no pescoço, para se caso ele aparecesse pela madrugada e a abraçasse, sentir o seu cheiro. Mas agora, vendo aquilo tudo sair da boca dele, ela viu que já tinha extrapolado o tempo. Ela viu que não dava mais pra acreditar que um recomeço pudesse acontecer.
Com a voz mais doce que conseguiu, Sofia disse clara e cuidadosamente
- Téo, é tarde demais.
Desligou o telefone sem dizer adeus. Uma nova fase começava e o sol das cinco da manhã invadiu o apartamento.

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