Naquele mesmo instante, no mesmo empresarial, Guto, o motoboy, deixava seu telefone na mesa de Ronaldo, o recepcionista do escritório de arquitetura.
No mesmo bairro, ainda no mesmo quarteirão, Bia deixava Leo com olhos cheios de lágrima ao mostrar o seu coração alado tatuado com o nome dele nas costas.
Do outro lado da rua, Marcela dizia "sim" a Rodrigo na mesa forrada com toalha de linho do restaurante mais 'in' da cidade.
E por mais que houvesse tanto amor naquelas redondezas, eu só conseguia pensar em nós ali, parados dentro daquele carro. Esperando algo de bonito e salvador acontecer. Algo que tirasse as dúvidas, os medos, as preocupações corriqueiras. Pensei em abrir a boca, mas na mesma hora você também impulsionou o corpo pra frente, como quem ia tomar alguma atitude. Fiquei calada então. Mais alguns minutos se passaram, nada se disse.
Abri a porta do carro, olhei firme para você. Você sabia, naquele momento, o que eu estava querendo dizer. E o meu coração gritava "olha, se você não me sequestrar agora e me levar, sei lá, para o quinto dos infernos, eu saio deste carro e você nunca mais vai me ver". Você continuava olhando pra mim. Assim, como quem não espera que o pior aconteça. Como quem só espera um milagre.
Foi então que eu olhei bem nos castanhos dos teus olhos. Castanhos quase verdes, desses que dá pra se perder na profundidade, na dúvida e no mistério. Olhei e vi todas as nossas cenas. Nós, desconfortáveis, é verdade, no primeiro encontro. Depois naquele hotel barato da nossa primeira viagem juntos. E como não lembrar dos dias no hospital quando você cuidou de mim dia e noite sem parar?
Fechei a porta do carro. Peguei na sua mão. Respiramos juntos. Inclinei a cabeça para frente e disse "vamos". Você sorriu.
Jorge deixou Ana pela nova secretária. Guto não atendeu quando Ronaldo ligou. Bia cobriu o coração alado com um dragão. Marcela fugiu da igreja com uma mulher.
Mas eu e você estamos aqui. Dentro do carro, perdidos na imensidão do desespero e na certeza de todos os sorrisos.